
Sedentarismo nas crianças: o risco escondido nas lesões desportivas infantis

No mês em que celebramos o Dia da Criança, importa refletir sobre os fatores que influenciam a saúde e o desenvolvimento dos mais pequenos. As lesões associadas à prática desportiva são um problema de saúde relevante na população infantil, com milhões de crianças a magoarem-se todos os anos enquanto participam em desportos ou atividades recreativas. Embora a maioria destas lesões seja ligeira, o seu impacto não deve ser subestimado, pois podem causar dor, limitar a participação na escola e nas atividades diárias e, em alguns casos, levar ao abandono precoce da prática desportiva.
Mas será que o problema está no tipo de desporto, nos métodos de treino ou na sua intensidade? A resposta pode ir mais além destas questões. Muitas vezes, a verdadeira causa está antes ou depois do treino, isto é, na ausência de movimento regular no dia a dia.
Devemos lembrar que, de acordo com as orientações da Organização Mundial da Saúde, as crianças e adolescentes devem realizar, em média, pelo menos 60 minutos diários de atividade física de intensidade moderada a vigorosa, preferencialmente de caráter aeróbico, como correr, andar de bicicleta ou brincar ao ar livre. Além disso, pelo menos três vezes por semana, devem ser incluídas atividades mais intensas que fortaleçam os músculos e os ossos, como saltar, jogar futebol ou praticar ginástica.
Estas recomendações têm uma forte base de consenso internacional acerca da sua importância para a saúde e o desenvolvimento infantil, já que a infância é um período crucial para o desenvolvimento motor, coordenação, equilíbrio e força muscular. No entanto, o tempo outrora passado a correr, saltar, brincar ou trepar às árvores foi substituído por longas horas em que as crianças estão sentadas, muitas vezes sem pausa, em frente aos ecrãs.
Este estilo de vida sedentário, durante o desenvolvimento, pode prejudicar a forma como o corpo cresce e se adapta ao esforço físico. A evidência científica começa a mostrar-nos que crianças menos ativas têm maior risco de desenvolver lesões no desporto e maior risco proporcional de se magoarem, mesmo praticando menos atividade física. Ou seja, o desporto não é o vilão — o problema está em praticá-lo sem uma base física adequada.
É por isto que a solução não passa por afastar as crianças do desporto, pelo contrário: a prática desportiva é essencial para o crescimento saudável, mas deve ser precedida — e acompanhada — por um estilo de vida ativo, que inclua, desde os primeiros anos, atividades e estímulos com padrões de movimento e esforço variáveis.
Na perspetiva do fisioterapeuta, ao longo do desenvolvimento infantil, não só tratamos as lesões quando elas ocorrem, mas trabalhamos cada vez mais na sua prevenção. Através da avaliação do desenvolvimento motor, identificamos padrões incorretos de movimento e recomendamos estratégias para garantir uma prática desportiva segura e saudável. Os rastreios posturais e funcionais são ferramentas importantes para detetar precocemente desequilíbrios ou limitações que possam causar lesões e podem ser uma mais-valia no apoio ao desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes.
Fica a mensagem da importância de: haver menos ecrãs, mais tempo ao ar livre, mais brincadeiras com movimento e mais educação física de qualidade. Movimento é saúde, desde cedo.
Referências:
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