
Hidratação, exercício e saúde muscular em dias de calor

Ao longo deste verão, as temperaturas elevadas e a baixa humidade relativa têm-se manifestado
com alguma frequência, intensificando-se nos últimos dias. Estas condições podem, em
determinadas condições, por exemplo, durante a prática de atividade física, aumentar o risco de
desidratação, tendo um impacto nocivo a nível sistémico no nosso organismo.
Mais especificamente, no que respeita ao nosso sistema neuro musculo esquelético, sabe-se que
a água constitui cerca de 70% da massa muscular e que a perda de líquidos em torno de 1–2%
do peso corporal já é suficiente para reduzir significativamente a força, resistência e capacidade
de recuperação muscular.
Sendo estas perdas agravadas em condições de calor, torna-se particularmente importante
tê-las em consideração quando praticamos exercício físico intenso e prolongado em situações
atmosféricas adversas (altas temperaturas). Nestas situações, o nosso corpo perde muitos
líquidos através da transpiração, cujo papel é de regular a temperatura corporal. Se esses
líquidos não forem repostos, podem surgir várias alterações no funcionamento do corpo.
Entre essas alterações estão o aumento da temperatura corporal, respiração acelerada, esforço
do coração, e redução do sangue que chega ao cérebro, músculos e pele. O corpo também passa
a usar mais rapidamente as reservas de energia dos músculos e pode haver alterações na
atividade nervosa periférica, além de dificuldades no metabolismo muscular e na capacidade
aeróbica. Assim, pode surgir fadiga precoce, agravamento da dor muscular tardia e um aumento
do risco de microlesões.
Este esforço no nosso organismo causado pela perda de líquidos pode ser reduzido ou evitado
se fizer exercício em ambientes mais frescos (p.e. à noite ou de manhã cedo) ou realizar
atividades com intensidade moderada ou baixa nas alturas de mais calor. Para além disto, estar
atento à hidratação durante a prática de exercício é fundamental para manter o corpo a
funcionar bem e evitar lesões.
Mas qual a quantidade de líquidos que devemos beber? As necessidades de hidratação variam
consoante a intensidade e duração do exercício, as condições ambientais (como a temperatura
e a humidade) e a taxa de transpiração de cada pessoa. Para garantir uma boa performance e
prevenir os efeitos da desidratação, é importante adotar estratégias adequadas antes, durante
e após o esforço físico.
Antes do exercício, recomenda-se a ingestão de 5 a 7 ml de água por cada quilo de peso corporal
nas 2 a 4 horas anteriores à atividade, com a possibilidade de um consumo adicional de 3 a 5
ml/kg cerca de 20 a 30 minutos antes, para garantir uma hidratação adequada. Durante o
exercício, é fundamental beber regularmente, ajustando a quantidade consoante a intensidade,
duração, temperatura e a taxa de transpiração individual. Em geral, sugere-se a ingestão entre
400 a 800 ml de líquidos por hora, com o objetivo de limitar a perda de peso corporal por suor a
menos de 2%. Após o exercício, a reposição dos líquidos é essencial para restabelecer o equilíbrio
hídrico, recomendando-se a ingestão de 1,25 a 1,5 litros de líquidos por cada quilo de peso
perdido. A reposição deve incluir eletrólitos, especialmente sódio, para melhorar a retenção de
líquidos e compensar as perdas minerais em caso de transpiração intensa.
É importante alertar que a sede não deve ser o único indicador para a ingestão de líquidos, pois
pode surgir tardiamente durante o exercício. Monitorizar a cor da urina é uma forma prática de
avaliar o estado de hidratação, sendo a urina clara indicativa de boa hidratação. Por fim, o
excesso de ingestão de água sem a reposição adequada de sais minerais deve ser evitado, uma
vez que pode causar hiponatremia, uma condição rara mas potencialmente perigosa.
Por último, enquanto fisioterapeuta, reforço a importância de adaptar a ingestão de líquidos às
necessidades individuais, garantindo pausas regulares, proteção solar adequada e hidratação
constante, especialmente durante treinos ao ar livre. É fundamental também avaliar o estado de
hidratação sempre que surgem queixas músculo-esqueléticas, mesmo quando não há lesão
visível.
Referências:
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